Em audiência, fim da Justiça do Trabalho é visto como 'ameaça à democracia'

Data da postagem: 23/01/2019

A ameaça de extinção da Justiça do Trabalho, aparentemente deixada de lado pelo governo, foi vista como “falácia” e “ameaça à democracia” durante audiência pública promovida nesta terça-feira (22) pela seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A presidenta do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, de São Paulo), o maior do país, Rilma Hemetério, criticou “argumentos infundados que proclamam a desnecessidade da Justiça do Trabalho, uma área especializada historicamente produtiva e necessária”.

Com abrangência na Grande São Paulo e Baixada Santista, a 2ª Região, que tem 533 magistrados, recebeu no ano passado 308.020 processos. “É uma das Justiças mais produtivas. E no entanto tudo que nos é colocado é que somos completamente desnecessários para que a paz social seja mantida no nosso país”, afirma a presidenta do TRT.

As cinco principais causas de processos trabalhistas, lembrou a juíza, se originam de reclamações sobre aviso prévio (105.722 ações em 2018), multa de 40% sobre o FGTS (92.010), atraso de verbas rescisórias, férias proporcionais, e 13º salário. “São direitos elementares”, observou Rilma. “A Justiça emerge da realidade dos fatos.” Ela acrescentou que o Judiciário trabalhista está no “ranking dos principais arrecadadores de impostos”, por efeito de suas sentenças.

Eleito em dezembro, o presidente da OAB-SP, Caio Santos, disse que o momento é de união em defesa do que ele chamou de “bandeira da sociedade brasileira”, parte do Estado democrático de direito. “Em respeito ao cidadão é que não podemos tergiversar e retroceder em relação às conquistas civilizatórias.”

A aparente reconsideração de Jair Bolsonaro em relação ao tema foi vista como positiva pelo presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, mas ele lembrou que a “cantilena” não começou agora. Citou até o ex-senador e ex-ministro Antônio Carlos Magalhães como exemplo de que a ofensiva contra o Judiciário é antiga.

“Esperamos e acreditamos que, se havia essa intenção (de acabar com a Justiça trabalhista), ela foi reconsiderada”, disse Feliciano, para quem esse ramo do Judiciário é “um patrimônio institucional do Estado e da sociedade”. O magistrado lembrou que haverá um ato nacional, em 5 de fevereiro, em defesa da Justiça. O evento será realizado em Brasília. Ontem (21), foram realizadas manifestações em várias cidades do país.

Interferência entre poderes

O presidente da Anamatra também refutou observações que costumam ser repetidas, inclusive por Bolsonaro, de que os trabalhadores “ganham tudo” no Judiciário, observando que a “esmagadora maioria” das decisões é de procedência parcial das demandas. Ele se manifestou a favor de certa reestruturação do setor. “Por que não pode apreciar crimes contra a organização do trabalho ou questões previdenciárias derivadas de suas decisões?”, questionou.

Presidente da Amatra, a associação dos magistrados da 2ª Região, Farley Ferreira criticou o que considerou “interferência do Executivo na estrutura do Judiciário”, citando o dispositivo constitucional de independência entre os poderes. “Isso é muito grave”, afirmou.

O professor Antônio Rodrigues de Freitas Jr., da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), também considerou que se trata de uma agenda de “deslegitimação do Direito do Trabalho”, por meio de uma narrativa segundo a qual “é possível mexer na instituições”, inclusive a imprensa, pelo menos aquela “que não é deferente com os governantes de plantão”.

Freitas Jr. identifica um “desapreço às instituições democráticas” e ao papel mediador dessas entidades. No caso da Justiça do Trabalho, diz, a crítica não tem respaldo “em dados e evidências empíricas, é apenas reveladora de um preconceito”. Mais do que o Judiciário, “estamos juntos na defesa da democracia”, defende o professor.

Quase todas as falas foram sobre o Judiciário, mas a audiência pública discutiu também a extinção do Ministério do Trabalho pelo atual governo. A conselheira federal da OAB Daniela Libório lembrou que ao Estado cabe combater as desigualdades sociais e regionais, e acrescentou o artigo 6º da Constituição, sobre direitos sociais, foi articulado “sob uma lógica de políticas públicas”, que incluem o trabalho. Nesse sentido, ela acredita que o fim do ministério possibilitaria inclusive um questionamento judicial ao governo, na medida em que a medida leve a uma “fragmentação do Estado de bem-estar social”.

Fonte: Rede Brasil Atual

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