Famílias poupam menos e consumo será mais afetado

Data da postagem: 10/12/2014

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As famílias brasileiras pouparam muito menos em 2014. Esse comportamento vai se associar ao aumento da taxa de juros, à contenção do crédito e ao comportamento já menos benigno da ocupação e afetar o consumo no início de 2015, retardando a retomada do crescimento econômico.

De janeiro a novembro de 2014, a captação líquida da caderneta de poupança somou R$ 18,6 bilhões, valor quase 70% inferior ao de igual período do ano passado. Essa redução aconteceu porque as retiradas cresceram a uma velocidade superior a dos depósitos, indicando que as famílias usaram o passado para financiar gastos presentes.

Apesar da menor remuneração da poupança no ano, os recursos das famílias não foram para fundos de investimento, onde também houve menor captação líquida – apenas R$ 14,3 bilhões até novembro, ante R$ 58,3 bilhões em igual período de 2013 e R$ 114,4 bilhões em 2012.

A perda da poupança, dizem os economistas, será mais um elemento para conter o consumo no início de 2015. Na balança de influências, a massa salarial ainda crescente (em outubro ainda era 3,8% superior a de outubro do ano passado, já descontada a inflação), o menor endividamento das famílias e a inadimplência controlada compõem um quadro mais benigno para a demanda do que o da virada de 2013 para 2014.

O cenário, contudo, é de desalento para o varejo, pois juros em alta, crédito contido, sinais de demissão à frente e maior comprometimento da renda com outras despesas indicam um primeiro semestre de demanda contida.

Para Jorge Simino, diretor de investimentos e patrimônio da Fundação Cesp, parte da perda da poupança está relacionada ao maior endividamento das famílias nos últimos anos – ainda que uma parcela do endividamento seja do tipo “bom” – compra da casa própria ou do primeiro automóvel – e ao aumento da cesta de serviços.

“Nos últimos anos, muitas famílias agregaram itens que antes estavam fora do orçamento, como TV por assinatura, plano de saúde, prestação da universidade ou do Fies [fundo de financiamento do ensino superior]”, diz o executivo.

Na TV por assinatura, o número de assinantes passou de 9,8 milhões em 2010 para 19,4 milhões em setembro deste ano, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Em planos de saúde, na mesma comparação, o aumento de beneficiários foi de 6 milhões de pessoas, enquanto o Fies passou de 190 mil contratos em 2010 para 1,6 milhão em 2014, embora a maioria deles ainda não represente despesa para as famílias em 2015. A conta do ensino superior chegará nos próximos anos.

Junto com prestações de bens adquiridos nos últimos meses, essa mudança de comportamento e hábitos e novas despesas a eles associadas provocaram um aperto orçamentário que pode ter levado algumas famílias a buscar recursos na poupança para equilibrar despesas. “Isso joga contra a recuperação do consumo de bens”, afirma Simino.

A mais recente pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) sobre o endividamento das famílias mostra um cenário mais benigno do que o de novembro de 2013, diz Marianne Hanson, economista da entidade. “A única exceção é o comprometimento da renda, que está maior”, afirma. Em novembro do ano passado, 29,1% da renda familiar estava comprometida com dívidas, parcela que subiu para 31,6% no mês passado. “Os demais dados mostram menor endividamento, menos dívidas em atraso e perfil melhor de dívidas.”

Para a economista, é possível que parte dos recursos da poupança tenha sido usada para quitar dívidas ou evitar atraso nos pagamentos. Como dezembro é período de nova contração de dívidas e nos primeiros meses se concentram despesas extraordinárias e aumento de gastos (impostos, gastos escolares, alta de tarifas), Marianne não vê espaço para retomada do comércio no início de 2015.

Também está no cenário a perspectiva de aumento do desemprego. Notícias de planos de demissão voluntária nas montadoras são forte sinal nessa direção, diz Simino. Além do efeito real sobre quem perde o emprego, as demissões, ou apenas as notícias de dispensas, ainda que incentivadas, contribuem para reforçar o ânimo já pessimista do consumidor.

Para Simino, o cenário para o consumo tende a ser muito complicado pelos primeiros seis meses do próximo ano. Projeção semelhante é feita pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV. O consumo das famílias, que acumulou alta de 1,5% nos quatro trimestres encerrados em setembro, verá esse crescimento minguar para 0,2% até o fim do segundo trimestre de 2015, informa o economista Vinicius Botelho, em dados já recalculados após a divulgação do resultado do terceiro trimestre deste ano. Se confirmado, será o menor desempenho para esse indicador em 11 anos – desde o primeiro trimestre de 2014.

Nos ultimos anos, o crédito foi importante alavancador do aumento no consumo das famílias. Com a alta das taxas de juros, a estagnação da economia e a perspectiva de comportamento menos benigno na ocupação, o crédito que tem crescido é aquele onde há mais segurança para quem empresta, como o consignado, ou relacionado a bens cuja retomada é mais fácil, em caso de inadimplência, como o imobiliário. Bancos e s famílias mostram mais cautela nesses momentos, ajudando a conter esse canal de incentivo à demanda, dizem os economistas.

Para Simino, o investidor na poupança não costuma migrar para outros fundos. A migração, quando as taxas dos fundos ficam mais atrativas, acontece em pequena escala, diz. No atual momento, de aumento da taxa Selic, com consequente melhora da rentabilidade dos fundos, a remuneração mais baixa da poupança tem efeito marginal na menor captação líquida das cadernetas. Para Marianne, da CNC, a perda da captação está associada a retração da renda disponível das famílias diante de compromissos assumidos e da alta da inflação.

Fonte: Valor Econômico/Denise Neumann | De São Paulo

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