60% das vagas para pessoas com deficiência ficam vazias
Com 25 anos, a Lei de Cotas para a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho conseguiu preencher menos da metade dos postos por ela criados. A lei define que empresas com a partir de cem funcionários tenham um percentual de profissionais com deficiência que varia entre 2% e 5% (quanto mais contratados, maior a cota).
As 39.260 empresas que se enquadram nessa regra teriam que reservar cerca de 828 mil vagas para pessoas com deficiência. Mas só 327.215 (39,5%) dessas vagas estavam preenchidas em 2014, ano de que são os últimos dados disponíveis.
No último ano, a situação foi agravada pela crise, diz a consultora Carolina Ignarra, sócia da Talento Incluir, especializada em inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
Segundo ela, com a crise financeira pela qual o Brasil atravessa, muitos profissionais com deficiência foram demitidos, mesmo, o que não é comum neste segmento, devido a necessidade do preenchimento das cotas.
mais demissões
Em primeiro lugar, foram dispensados os que recebiam melhores salários e, neste ano, os desligamentos se generalizaram. “Muitos profissionais que estavam em uma empresa há dez anos estão consultando a gente por estar com dificuldades para se recolocar”, diz.
Segundo o Ministério, foram aplicadas 4.363 multas por descumprimento das cotas em 2015, com valor total de R$ 159,3 milhões.
O número representa acréscimo de 61% em relação ao total de multas aplicadas no ano anterior. Em 2014, foram 2.696 multas, com valor total de R$ 113,6 milhões.
multas flexíveis
Se, por um lado, a fiscalização está mais intensa, de outro decisões judiciais apontam para uma aplicação de multas mais flexível.
Em maio, a Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (TST) retirou multas que haviam sido aplicadas por descumprimento da cota pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) do Paraná sobre a empresa American Glass Products do Brasil.
Em decisão anterior, a companhia havia sido condenada a pagar R$ 10 mil por profissional que faltasse para completar a cota exigida dela, mais R$ 200 mil por danos morais coletivos.
Em sua defesa, a empresa argumentou que havia feito os esforços necessários para contratar os profissionais: fez anúncios de suas vagas na Agência do Trabalhador (Sine) e na internet.
O relator do processo, o ministro João Batista Brito Pereira, disse na decisão que uma empresa não pode ser responsabilizada por seu insucesso após ter feito esforços para preencher a cota.
José Alberto Couto Maciel, advogado da companhia, critica a falta de exceções na lei. “Muitas empresas fazem toda a rotina necessária para conseguir os empregados, mas eles não aparecem. Você não pode ser condenado por algo que é alheio a sua vontade”, diz.
TENDÊNCIA
Segundo o advogado Carlos Eduardo Vianna Cardoso, sócio do setor trabalhista do escritório Siqueira Castro, o fato de a decisão ter sido tomada em um órgão colegiado do principal tribunal para questões trabalhistas indica o modo como outros casos serão julgados.
Em outras instâncias, já se discute uma aplicação diferente das cotas em empresas cuja maioria dos profissionais trabalham em áreas de risco, como na construção civil e no setor de óleo e gás, e que teriam poucos postos disponíveis a pessoas com deficiência, diz o advogado José Carlos Wahle, sócio da área trabalhista do Veirano.
Segundo essa interpretação, a porcentagem mínima deveria ser aplicada apenas nas funções que não envolvem riscos físicos.
No setor de óleo e gás, ações movidas pelo MPT por descumprimento da cota contra as empresas Pride e Ensco foram julgadas improcedentes pela Justiça, em decisões de primeira e segunda instância, respectivamente.
“A constitucionalidade da lei não é discutível. Mas há uma tendência do Judiciário de relativizar a aplicação da penalidade toda vez que houver uma circunstância que justifique essa relativização”, diz Wahle.
PRECEDENTE
Porém uma aplicação mais branda da lei pode ser danosa à inserção social das pessoas com deficiência, na opinião do procurador Sandoval Alves da Silva, coordenador nacional de Promoção de Igualdade de oportunidade e eliminação da discriminação no trabalho do MPT.
Segundo ele, a flexibilização da lei pode se tornar um precedente para que outras empresas deixem de cumprir suas obrigações.
Bastaria seguir o mesmo protocolo de empresas absolvidas anteriormente, fazendo alguns anúncios em sites e jornais, e dizer que fez o que era necessário para se livrar de penas, diz.
Para Silva, isso é pouco. Segundo ele, as empresas deveriam se engajar com o tema, participando de iniciativas junto ao setor público e à organizações da sociedade para promover a capacitação de mais pessoas.
“É muito incoerente olhar para o Brasil de desempregados, de milhões de pessoas com deficiência, e dizer que se fez tudo o que poderia ser feito para cumprir a lei.”
O procurador afirma que o Ministério Público irá recorrer da decisão referente a American Glass, com o objetivo de levar a ação será levada ao Supremo Tribunal Federal.
Com a crise econômica, a possibilidade de trabalhadores com deficiência encontrarem postos de trabalho também foi reduzida pelo fato de que as grandes companhias, que são as que precisam reservar uma porcentagem a eles, reduziram suas equipes.
Fonte: Folha de S. Paulo