Reforma quer aposentadoria aos 65, mas quem vai te empregar com essa idade?
A proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo determina que os brasileiros trabalhem, no mínimo, até os 65 anos e contribuam por 25 anos com o INSS para poder se aposentar. Quem quiser ganhar o valor integral do benefício terá que trabalhar mais tempo, por 49 anos.
Atualmente, o brasileiro se aposenta, em média, com 58 anos. Ou seja, se a proposta for aprovada do jeito que está, as pessoas precisariam trabalhar sete anos a mais, em geral.
Isso leva à pergunta: existem empregos para as pessoas trabalharem até os 65 anos, ou mais?
Existe preconceito com mais velhos
Ricardo Basaglia, diretor-executivo da empresa de recrutamento e seleção Michael Page, afirma que, de fato, há uma resistência das empresas, no geral, em contratar pessoas mais velhas.
“De maneira geral, sim, existe um preconceito maior no Brasil do que em outros países”, afirma. “Na Europa, há uma população de mais idade e lá, naturalmente, estão mais acostumados com pessoas mais velhas no mercado de trabalho.”
Basaglia diz que isso melhorou nos últimos dez anos, mas está “longe de não haver restrição [a pessoas mais velhas]”.
O diretor também afirma que essa dificuldade varia de acordo com o tipo de profissão. “Existem profissões que exigem atualização constante, acima da média das outras”, afirma. Ele cita a área de tecnologia, por exemplo.
“Quando procuram um desenvolvedor [de sites ou aplicativos, por exemplo], querem alguém conectado com o mundo de hoje”, afirma. “Quando se fala de um advogado, querem uma pessoa experiente”.
Em trabalhos que exigem mais esforço físico, a opção costuma ser pelos mais jovens.
Problema será menor no futuro?
Marcela Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil, também afirma que o mercado de trabalho é mais difícil para pessoas mais velhas. “A gente sabe que, de fato, o relato é sempre esse. É muito difícil conseguir emprego depois de uma certa idade.”
Kawauti, porém, acredita que isso não será um problema tão grande no futuro como é hoje, porque a tendência é que a pirâmide etária se inverta. O que isso significa? Atualmente, há um número maior de pessoas mais jovens do que de mais velhas. Com o passar do tempo, isso deve se inverter, porque as pessoas estão vivendo mais e tendo menos filhos. Então, deve haver menos jovens e mais velhos.
Para ela, as empresas terão que contratar profissionais mais velhos, já que haverá menos jovens. “Vai ter muito mais gente entre 50 e 60 anos. O mercado vai ter que absorver essas pessoas de qualquer forma”, segundo a economista.
Mais prejudicados estão “no meio”
Caso a reforma da Previdência seja aprovada com a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria, Kawauti acredita que os mais prejudicados não serão nem os mais jovens, nem os mais velhos, mas quem está no meio.
“Quem está acima de 50 anos pega a regra de transição, e os mais novos podem se preparar para a aposentadoria”, afirma. “Quem tem 40 e poucos anos, que estava com a perspectiva de trabalhar mais 10 anos, vai ter que trabalhar mais 20 anos”.
Essas pessoas, segundo a economista, não terão como se preparar, e podem encontrar dificuldade para arranjar emprego e trabalhar o tempo a mais necessário para se aposentar.
Mais velhos, menos carteiras assinadas
Em 2015, o país tinha cerca de 29 milhões de pessoas com mais de 60 anos, segundo o IBGE. Dessas, 7,7 milhões estavam trabalhando. Outras 757 mil pessoas queriam trabalhar e tinham tomado alguma providência para procurar emprego, mas estavam desempregadas.
Naquele ano, o maior número de pessoas com carteira assinada tinha entre 30 a 39 anos, segundo dados do Ministério do Trabalho. Eram 14,7 milhões de pessoas, o que representa 52,3% do total.
O número total de carteiras assinadas cai nas faixas mais velhas, e despenca entre as pessoas com mais de 65 anos:
- Até 17 anos: 426 mil
- 18 a 24 anos: 7 milhões
- 25 a 29 anos: 7,2 milhões
- 30 a 39 anos: 14,7 milhões
- 40 a 49 anos: 10,5 milhões
- 50 a 64 anos: 7,7 milhões
- 65 anos ou mais: 574 mil
Em 2015, eram cerca de 21,6 milhões de aposentados, também de acordo com o instituto. Desses, 16,3 milhões não eram economicamente ativos, ou seja, não trabalhavam.
Esses dados podem mostrar tanto que as pessoas param de trabalhar quando se aposentam, quanto que os mais velhos têm mais dificuldade para conseguir emprego, principalmente com carteira assinada.
Aposentado, mas trabalhando
A economista-chefe do SPC Brasil afirma que grande parte dos aposentados continua tendo que trabalhar porque a aposentadoria não dá conta de pagar as despesas.
“Na minha opinião, o problema maior é as pessoas não se programarem para a aposentadoria. A aposentadoria não quer dizer que a pessoa para de trabalhar”, afirma. “Se não se preparar, mesmo se aposentando cedo, precisa trabalhar para complementar a renda”.
Na crise, corte é menor entre mais velhos
Uma vantagem para os mais velhos é que o impacto da crise econômica é maior entre os jovens.
O Brasil perdeu 1,51 milhão de empregos com carteira assinada em 2015, segundo o Ministério do Trabalho. Desse total, 1,15 milhão eram de trabalhadores entre 18 e 29 anos. O número de trabalhadores com carteira nessa faixa etária caiu 7,5% entre 2014 e 2015.
A faixa etária com mais de 50 anos, por outro lado, foi a única que teve criação de vagas, com 154 mil a mais, o que representa um crescimento de 2% no total de trabalhadores nessa faixa entre 2014 e 2015.
Durante a crise, muitas empresas cortam funcionários mais velhos, com salários mais altos. Mas, segundo Ricardo Basaglia, elas também podem buscar profissionais com mais idade, por causa da experiência.
Em um mercado favorável, as empresas dão mais oportunidades aos jovens, como um investimento, mesmo que eles não tragam resultados imediatos. Na crise, essa possibilidade se reduz, e os patrões podem buscar profissionais experientes, que dão resultados mais rapidamente.
Ele também destaca que, na crise, é necessário alguém com maturidade emocional para lidar com situações difíceis, o que nem sempre está presente nos jovens.
Fonte: UOL